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28/10/2010

Por quê???


Afinal, por que agimos de forma tão irracional? Por que nos expomos a riscos sem a menor necessidade e explicação aparente?

Tenho certeza que você já se fez essa pergunta após ler os jornais com manchetes denunciando finais de semana e feriados sangrentos em nossas vias. Engenheiros, políticos, educadores e órgãos de fiscalização acreditam que, sem desmerecer o outro, seria necessário dar mais valor para a sua área em questão, para aí então reduzir efetivamente os problemas em nosso transitar...

No entanto, lembro que mesmo em locais do mundo onde se conseguiu atingir bons resultados na qualidade do trânsito as 'tragédias' continuam existindo (em quantidade infinitamente menor do aqui, mas continuam existindo). A situação é mais assustadora quando olhamos para países em que o sistema de trânsito é ineficaz ou mesmo inexistente, nesses casos a situação torna-se quase insuportável.

Mas a questão que gostaria de abordar é o fato de que existe algo que parece escapar ao domínio do Estado a despeito de seus aparatos coercitivos. Há algo no humano que não pode ser educado de fora para dentro, existe algo que alguns (ou todos??) indivíduos levam consigo que foge da racionalidade. A sociedade sabe que existe limites de velocidade, por exemplo, mas eles não são respeitados. As pessoas sabem do perigo entre conjugar o álcool e a condução de veículos e mesmo assim dirigem sob efeito dessa substância. Diriam muitos (inclusive eu) que falta educação, fiscalização, leis, etc, e por isso ocorrem acidentes levando pessoas a perderem a vida todos os dias nas estradas e ruas do Brasil. Tudo bem, mas tem algo mais nessa história. O que nos leva ao perigo conscientemente? Para entendermos os problemas de nosso trânsito precisamos entender que o ser humano é composto também de 'irracionalidades' e incoerências do que somente lógica e coerência, se é certo que existe uma pulsão de vida, é certo também que há uma pulsão de morte.

A melhor tradução que encontrei para essa ideia foi em um trecho do conto: O Demônio da Perversidade, de Allan E. Poe. Reproduzo uma pequena parte desse conto, onde em uma alegoria da psique humana, Poe abre as portas de nossas fraquezas e tentações 'demoníacas'.

Penso ser possível estabelecermos relações com os riscos que nos colocamos ao transitarmos, sem muitas vezes nos atentarmos... Uma das mensagens de seu texto é que sem ajuda ficamos desamparados, nesse sentido a informação, a educação a fiscalização e, em geral, um forte sistema de trânsito são os amigos que nos podem livrar dos abismos!

"... agimos sem um objetivo compreensível; ou, se quisermos entendê-lo como uma contradição para dizer que, através de seu estímulo, agimos pela razão de que não deveríamos agir. Em teoria, nenhuma razão poderia ser mais irracional, mas, de fato, nenhuma existe que seja mais forte. Em certas mentes, sob determinadas condições, torna-se completamente irresistível. Assim como tenho certeza que respiro, sei que a consciência do certo ou do errado de uma ação é frequentemente a única força incontestável que nos impede para a sua realização; e nos impele isoladamente, sem nada mais o faça...É um impulso radical e primitivo - um impulso elementar...Segue-se então, que o desejo de estar bem deve ser excitado...~Paramos à beira de um precipício. Nossa visão se projeta para o abismo, somos tomados por uma assomo de náusea e vertigem. Nosso primeiro impulso é de nos afastar-nos do perigo. Sem a menos explicação, permanecemos ali. Lentamente nosso enjoo, nossa tontura, nosso horror se mesclam a uma nuvem de sentimentos indizíveis. Gradativamente, ainda mais imperceptível, esta nuvem toma forma, como o vapor que surgiu da garrafa de Aladim e formou o gênio nas Mil e Uma Noites. Porém desta nossa nuvem à beira do despenhadeiro, torna-se progressivamente palpável de uma forma muito mais terrível que a do gênio, muito mais horrenda que a de qualquer demônio lendário; e no entanto, é somente um pensamento, por mais amedrontador que seja, que nos gela até a medula dos ossos com a ferocidade inerente à delícia de seu pavor. É meramente a ideia de qual seria a nossa sensação durante o mergulho precipitado de uma queda de tal altura. E esta queda - esta aniquilação rápida - pela própria razão de invocar a ideia de morte nos faz agora desejar saltar vividamente. E uma vez que a nossa razão violentamente nos impede que cheguemos a borda, justamente por isso nos aproximamos mais impetuosamente...Deter-se, ainda que por um momento, na contemplação desse pensamento de saltar ou não, é estar inevitavelmente perdido... Se não houver um braço amigo que nos ampare, ou se não fizermos um esforço súbito para nos afastarmos do abismo, saltaremos e seremos destruídos"




* Trecho do conto de Edgar Allan Poe, O demônio da perversidade. pp 12/13. L&PM, 2010. Porto Alegre.