“Tentar curar o congestionamento adicionando mais capacidade de tráfego, é como tentar curar a obesidade, soltando seu cinto.”
Reproduzo, logo abaixo, trechos de uma postagem feita no Blog Vá de Bici. Seria de grande importância que o conteúdo dessa postagem fosse divulgado. Nesse texto, o blogueiro expõe uma verdade que é clara já em muitos lugares do mundo: Não adianta expandir as vias urbanas e rurais ad infinitum, pois o número de carros sempre irá saturar o uso das mesmas... Infelizmente, como quase tudo por aqui nos trópicos, há uma defasagem de décadas entre a atitude dos governos e os avanços que as políticas públicas poderiam nos oferecer desde já.
Continuamos com o mesmo pensamento dos anos 50, 60 e 70, quando desenvolvimento era sinônimo de carro na rua e asfalto goela abaixo. Os estudos, já consolidados, sobre o tema mobilidade demonstram que as experiências de supermotorização de uma sociedade não se caracteriza como uma solução sustentável, bem pelo contrário. Poluição, obras caras e redução dos espaços verdes das cidades são alguns de seus efeitos colaterais. Pensar novas formas de organização do espaço e de mobilidade é questão de sobrevivência saudável e perene para todos.
"...Há um problema muito mais profundo do que a forma como as vias são
construídas e geridas. É a questão de por que ainda construímos ruas em
primeiro lugar.
A simples verdade é que a construção de mais ruas e ampliação das
ruas existentes, quase sempre motivadas pela preocupação com o tráfego,
não faz nada para reduzir o tráfego. No longo prazo, na verdade, aumenta
o tráfego. Esta revelação é tão contra-intuitiva que vale a pena
repetir: a adição de faixas torna o trânsito pior. Este paradoxo foi
imaginado, já em 1942 por Robert Moses, que percebeu que as vias que ele
construiu em Nova York, em 1939, estavam de alguma forma gerando
maiores problemas de trânsito do que os que existiam anteriormente.
Desde então, o fenômeno tem sido bem documentado, principalmente em
1989, quando a Associação dos Governos do Sul da Califórnia concluiu que
medidas para ajudar o trânsito, sejam elas o acréscimo de pistas, ou
mesmo a criação de vias de dois andares, não teria mais do que um efeito
cosmético nos problemas do trânsito de Los Angeles. O melhor que se
poderia oferecer era dizer às pessoas para trabalhar mais perto de casa,
o que é precisamente o que a construção de vias expressas tenta evitar.
Do outro lado do Atlântico, o governo britânico chegou a uma
conclusão similar. Seus estudos mostraram que a capacidade de aumento de
tráfego leva as pessoas a dirigir mais – muito mais – de tal forma que
metade de todas as economias de tempo geradas por novas ruas são
perdidas no curto prazo. No longo prazo, potencialmente todas as
economias devem ser perdidas. Nas palavras do ministro dos Transportes,
“O fato é que não podemos resolver os nossos problemas de tráfego
através da construção de mais vias”.² Enquanto os britânicos responderam
a esta descoberta cortando drasticamente os orçamentos para construção
de novas vias, tal coisa não pode ser dita sobre os americanos.
Não há falta de dados concretos. Um recente estudo da Universidade da
Califórnia em Berkeley que abrangeu 30 municípios da Califórnia entre
1973 e 1990 constatou que, para cada aumento de 10 por cento na
capacidade de estrada, o tráfego cresceu 9 por cento no prazo de quatro
anos.³ Como evidência anedótica, basta olhar para os padrões de trânsito
nas cidades com caros sistemas de vias expressas. O jornal USA Today
publicou o seguinte relatório sobre Atlanta: “Durante anos, Atlanta
tentou afastar os problemas de tráfego através da construção da maior
quantidade de quilômetros de auto-estradas per capita do que
qualquer outra área urbana, exceto Kansas City… Como resultado da
expansão, os habitantes de Atlanta agora dirigem uma média de 50
quilômetros por dia, mais do que os moradores de qualquer outra cidade”.
Este fenômeno, que agora é bem conhecido para os membros do setor de
transporte que desejam reconhecê-lo, passou a ser chamado de tráfego
induzido.
A mecânica por trás do tráfego induzido é elegantemente
explicada por um aforismo que vem ganhando popularidade entre os
engenheiros de tráfego: “Tentar curar o congestionamento adicionando
mais capacidade de tráfego, é como tentar curar a obesidade, soltando
seu cinto.” Uma capacidade de trânsito maior faz com que trajetos mais
longos sejam menos penosos, e, como resultado, as pessoas estão
dispostas a viver cada vez mais longe de seu local de trabalho. Quando
um número crescente de pessoas toma decisões semelhantes, o trajeto de
longa distância fica tão congestionado quanto o centro da cidade, os
passageiros clamam por faixas adicionais, e o ciclo se repete. Este
problema é agravado pela organização hierárquica das novas vias, que
concentram o trânsito no menor número de ruas possível.
O fenômeno do tráfego induzido funciona em sentido inverso também.
Quando a via expressa West Side Highway de Nova Iorque, entrou em
colapso em 1973, um estudo do NYDOT mostrou que 93% das viagens de carro
perdidas não reapareceram em outro lugar, as pessoas simplesmente
pararam de dirigir. Um resultado semelhante acompanhou a destruição da
Freeway do Embarcadero de San Francisco no terremoto de 1989. Cidadãos
votaram para remover a rodovia totalmente, apesar das advertências
apocalípticas dos engenheiros de tráfego. Surpreendentemente, um recente
estudo britânico descobriu que a remoção de ruas no centros das cidades
tendem a impulsionar as economias locais, enquanto novas vias levam ao
aumento do desemprego urbano. A idéia da construção de estradas como
forma de estimular a economia já era.
Se vamos discutir o trânsito com responsabilidade, primeiro deve
ficar claro que o nível de tráfego que os motoristas vivenciam
diariamente, e que lamentam tão veementemente, só é tão alto quanto eles
mesmos estão dispostos a tolerar. Se não fosse, eles iriam ajustar seu
comportamento e se mudariam, compartilhariam carros (carpool), usariam o
transporte coletivo, ou simplesmente ficariam em casa, como alguns
optam por fazer. Quão cheia está uma via em determinado momento
representa uma condição de equilíbrio entre o desejo das pessoas de
dirigir e a sua relutância em enfrentar o trânsito. Como as pessoas
estão dispostas a sofrer excessivamente no trânsito antes de procurar
alternativas – outras que não exigir mais vias – o estado de equilíbrio
de todas as ruas movimentadas é ter um trânsito que pára e acelera
constantemente. A questão não é quantas pistas devem ser construídas
para aliviar o congestionamento, mas quantas pistas de congestionamento
você quer? Você é a favor de na hora do rush ter quatro pistas de congestionamento, ou dezesseis?
Esta condição é melhor explicada pelo que os especialistas chamam
“demanda latente”. Como a verdadeira restrição a dirigir é o trânsito, e
não o custo, as pessoas estão sempre prontas para fazer mais viagens
quando o trânsito desaparece. O número de viagens latentes é enorme –
talvez 30 por cento do tráfego existente. Por causa da demanda latente,
acrescentar pistas é inútil, uma vez que os motoristas já estão
preparados para usá-las.4
Embora o atordoante fato do tráfego induzido já seja bem entendido
pelos engenheiros de tráfego esclarecidos, ele poderia muito bem ser um
segredo, tão mal que tem sido divulgado. Os modelos de computador
utilizados pelos consultores de trânsito nem sequer o consideram, e a
maioria dos diretores de obras públicas nunca ouviu falar de nada disso.
Como resultado, do Maine ao Havaí, os departamentos de engenharia
municipais, distritais e mesmo estaduais continuam a construir mais vias
na expectativa de aumento do tráfego, e, ao fazer isso, criam esse
tráfego. O aspecto mais penoso dessa situação é que estes construtores
de estrada, nunca se mostraram enganados, na verdade, eles sempre se
mostraram “certos”: “Você vê,” eles dizem, “eu te disse que o tráfego ia
aumentar.”
As ramificações são bastante inquietantes. Quase todos os bilhões de
dólares gastos na construção de estradas nas últimas décadas alcançaram
apenas uma coisa, que é o o aumento da quantidade de tempo que devemos
gastar em nossos carros todo dia. Norte-americanos agora dirigem o dobro
de quilômetros por ano, se comparado a apenas 20 anos atrás. Desde
1969, o número de milhas de viagens carros tem crescido quatro vezes a
taxa de população. E nós estamos apenas começando: funcionários federais
de trânsito prevêem que nos próximos anos 20 o congestionamento vai
quadruplicar. Ainda assim, cada congressista, ao que parece, quer uma
nova estrada para o seu crédito.
Felizmente, alternativas para a construção de estradas estão sendo
oferecidas, mas são igualmente equivocadas. Se, como agora fica claro
para além de qualquer dúvida razoável, as pessoas mantém um equilíbrio
de trânsito no limite do tolerável, então os engenheiros de tráfego
estão perdendo seu tempo – e nosso dinheiro – em um novo conjunto de
medidas paliativas que, na melhor das hipóteses, produzem resultados
temporários. Estas medidas, que incluem vias com alta ocupação de
veículos, pedágios urbanos, semáforos cronometrados, e “ruas
inteligentes”, servem apenas para aumentar a capacidade das vias, o que
faz com que mais pessoas passem a dirigir até a condição de equilíbrio
do congestionamento retorne. Embora certamente causem menos desperdício
do que construções novas, essas medidas também não fazem nada para
resolver a verdadeira causa do congestionamento do tráfego, que é o que
as pessoas decidem suportar.
Temos de admitir que, em um mundo ideal, seríamos capazes de
construir até acabar com os congestionamentos no trânsito. Um aumento do
número de vias expressas em todo o país em 50% provavelmente superaria
toda a demanda latente. No entanto, para fornecer mais do que um alívio
temporário, este enorme investimento teria que ser feito junto com uma
moratória sobre o crescimento suburbano. Caso contrário, as novas
subdivisões, shoppings, parques de escritórios, cuja construção foi
possível graças às novas vias acabariam por sufocá-las também. No mundo
real, essas moratórias são raramente possíveis, é por isso que a
construção de mais vias é geralmente uma loucura.
Aqueles que são céticos em relação à necessidade de uma revisão
fundamental do planejamento de transportes devem prestar atenção em algo
que vivenciamos há alguns anos atrás. Em uma grande sessão de trabalho
no projeto de Playa Vista, um projeto de adensamento urbano em Los
Angeles, o engenheiro de tráfego foi apresentar um relatório de
congestionamento atual e projetado ao redor do empreendimento. Do nosso
assento perto da janela, que tinha uma visão desobstruída da hora do rush
de uma rua que ele diagnosticou como altamente congestionada e com
necessidade de ampliação. Por que, então, o tráfego flui sem problemas,
com quase nenhuma acumulação no semáforo? Quando solicitado, o
engenheiro de tráfego nos deu uma resposta que deve ser registrada de
forma permanente nos anais da profissão: “O modelo de computador que
usamos não oferece necessariamente qualquer relação com a realidade.”
Mas a verdadeira questão é: por que tantos motoristas escolhem sentar
por horas a fio olhando o pára-choque do carro da frente no trânsito,
sem procurar alternativas? É uma manifestação de algum profundo ódio a
si mesmo ou são apenas pessoas estúpidas? A resposta é que as pessoas
são realmente muito inteligentes, e sua decisão de submeter-se à
angústia do trânsito suburbano é uma resposta sofisticada a um conjunto
de circunstâncias que são tão perturbadoras quanto o seu resultado. O
uso do automóvel é a escolha inteligente para a maioria dos americanos,
porque é o que os economistas chamam de um “bem livre”: o consumidor
paga apenas uma fração do seu custo real. Os autores Stanley Hart e
Alvin Spivak explicaram que:
“Nós aprendemos no primeiro ano de economia o que acontece quando os
produtos ou serviços tornam-se bens ‘gratuitos’. O mercado funciona
caoticamente, a demanda vai até o teto. Na maioria das cidades
americanas, lugares de estacionamento, ruas e rodovias são bens
gratuitos. Serviços do governo local para o motorista e para o setor de
transporte rodoviário – engenharia de tráfego, controle de tráfego,
semáforos, polícia e proteção contra incêndios, reparo e manutenção de
ruas – são todos bens gratuitos.”
[texto completo]
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fontes: http://vadebici.wordpress.com/2013/02/16/por-que-a-construcao-de-mais-ruas-nao-alivia-os-congestionamentos/
http://bicycleuniverse.info/transpo/planning.html#futility
http://bicycleuniverse.info/transpo/roadbuilding-futility.html